PAÍS IMAGINÁRIO. ESCRITURAS Y TRANSTEXTOS – POESIA EN AMÉRICA LATINA 1960-1979. Selección y notas: Mario Arteca, Benito del Pliego, Maurizio Medo. Edición Maurizio Medo. Madrid: Bolombolo, 2014. 631 p. (Colección Once) ISBN 978-84-1614902-5 Inclui apenas dois poetas brasileiros: Virna Teixeira e Delmo Montenegro. Ex. bibl. Antonio Miranda
[Se você ainda não leu a primeira parte deste Editorial — Editorial n. 47:
PAÍS IMAGINÁRIO – POESIA DA AMERICA LATINA 1960-1979 – (I) UMA VISÃO E DEMONSTRAÇÃO DOS RUMOS DE NOSSA POESIA, aqui está o link:
http://www.antoniomiranda.com.br/editorial/pais_imaginario_I.html
III
A TRA(D)IÇÃO DA RUPTURA
Por ANTONIO MIRANDA
“Sigam filmando; reincidam na escuta; apontem estes nós do sinônimo. Qual será o equivalente a uma espingarda pendurada de um prego?” MARIO ARIETA
O segundo capítulo do longo prefácio começa analisando a poética de Mario Arteca, um dos “prologuistas”. Por que não? Exemplificando o “Eu do sujeito poético que ora é uma imagem pictórica, ora uma ideia, ora uma insinuação, escura ou não, que se refere a outros planos (.)”. Uma escritura em composição prismática, sem pretender firmar uma tese: “quando o leitor começa a acreditar na proposta, basta uma única frase para derrubar” (p. 26-27) tudo e revelar quanto é ilusória. Espécie de “desmontagem do próprio discurso” (p.26), Em suspenso, sem acontecer. Tensão.
A poesia latino-americana do período recai em retóricas do sentimentalismo — lembremo-nos de uma fase anterior, Neruda — com seu versos “Puedo escribir los versos más tristes esta noche…”
Arteca reconhece influências de Eliot, Pound e até de nosso Paulo Leminski. E utiliza o recurso do poema-ensaio. Sem falar de sua metapoesia.
“horas perdidas, perdidas, justamente
para o poema. /(…) em manhãs superpostas,
em tardes de irritante cansaço,
em sábados de inútil assiduidade.” (MARIO ARTECA)
Como “pontos de fuga”, numa estrutura coloquial escapando da lógico-discursividade. Escapando do “universal”, sem reduzir-se no partaicular e no local. Buscando respostas, sem deletrar as perguntas. “Mais documentário que estético” (p.30), tentando metaforizar, sem conseguir. Intercalação de ideias, sem conclusões, as vezes recorrendo ao despistamento. Discurso, no entanto, poético. A imperfeição estimulante e inquisidora em vez da obviedade de supostas certezas. Polifonia! Desconstrução.
Alguns poetas conseguem livrar-se do “biografismo”, buscando um eu-plural, exemplar no sentido cervantino.
Sem dúvida, criações reveladoras de uma erudição manifesta conjugando, como foi frisado no capítulo anterior, com o senso imaginário popular reconhecível, coletivo pelo individual.
Fraseio (conversacional) desestruturante” por apelar aos desvios neobarrocos de construção frasal, entre metafórica e descritiva, ruptura da sintaxe “sem perder nunca a perspectiva sagaz, irônica e lúbrica que manifesta relativa à realidade”(p. 340.
Neste capítulo em que revisa os textos poéticos da Antonogía, chega aos versos de Victoria Guerrero que, como outros de sua trajetória temporal, assumem “modos de existência que até em suas formas mais sublimadas estão sempre enredadas com a circunstância, o tempo, o lugar e a sociedade, dito brevemente, estão no mundo e aí que são mundanos”, citando Edward W. Said (p. 34). Lirismo de conceito contraposto à realidade. Retórica dispersiva numa “ilha conceitual” conflitante. Como diz a mexicana Rocío Cerón, “debaixo da língua um presídio”. [ ver: http://www.antoniomiranda.com.br/Iberoamerica/mexico/rocio_ceron.html]
“Tudo se figura e nada toma forma”, no entender da autora.
Pretextos, mitografia, enunciação. Espécie de “potência de se seu cantão hermético” conforma Luis Fernando Chueca, paratextualizado pelo peruano Willy Gómez Migliaro. Ou seja, a capacidade desta torrente de imagens, “inscritas definitivamente na memória e transforma, sem dúvida, o olhar” (p. 39). Ou, na contramão, como pretende o poeta e dramaturgo César Eduardo Carrión, “levar à cena o que sabe indizível” (p. 41). Valendo-se, inclusive, do uso de signos, diagramação do texto, corpos diferenciados de letras para uma composição visual significante, ou, pelo menos, sugestiva. Aquela “distância entre as finalidades das palavras e a vontade permanecer nelas” (p. 44). Ou aquele “golpe solipsista que é enfrentar a escritura” (p. 44) referindo-se aos textros de Elbio Chitaro que atesta “o escrever às cegas”. Escrever sem pé nem cabeça, “sem ordem” (….), mas melopedicamente, sugerindo um “silbido”, no ententender os “prologuistas” da Antología. Podendo chegar ao cúmulo de desconstruir a unidade do texto, agora um “objeto estético, mas em estado puro, liberado de qualquer interpretação, contexto ou situação” (p. 47), quando analisa os versos do uruguaio Emilio Lafferranderie, que anotou:
“passar o método à dobra
e não alcançar um tema
poucos usos da gravidade
poucos instrumentos
trabalhar a mão com o olho
levar uma diferença a outra.”
O poeta inscreve, com medida perplexidade: “Sem articulações, nem objetos que representar, fica o poema reduzido a um signo de inércia” (p. 48). Mas certamente latente e interpretável pelo leitores conforme suas condições e recursos analíticos. Ou seja, como diz o poeta
“não se desprende um esquema aí
não se converte em alegoria
é uma regra em termos sonoros
um hábito afinal neutralizado”.
Na concepção lacaniana, a concepção do Real,
“aquilo que resiste a ser formulado (simbolizado) e a ser representado (imaginado)” (p.48), Sem pretender que a poesia seja um apostolado buscando resgatar a verdade das coisas, espécie de tópico religioso de revelação. Ao contrário, os “prologuistas” baseiam-se na obra de Sérgio Raimondi, a partir de sua “Poesía civil” (2001), para quem “Renovar a língua e trabalha-la desde a desproporção, começando pelo formal e culminando com o próprio significado” (p. 52). Em busca do que os autores pretenderam nas palavras de Haroldo de Campos, que citamos na tradução espanhola: “toda civilização cumplida tiene un proyecto general de beleza” (p. 53).
Analisando a poesia de Romina Freschi, os prefaciadores da Antología chegam a citar uma “perene agramaticidade”, que não significa descondiserar a língua castelhana nos textos, mas lograr um “funcionamento assimétrico” nas construções verbais, unido a “fala com o dizer poético” (p. 54). Conforme a “receita” proposta — “Leve sua linguagem (ou pelo menos um bom pedaço) até um ponto de máxima formalidade e cortes, senhora”, aconselhando o uso de um triturador de gelo “com incrustações de rubis e/ou esmeraldas” para esfacelar (ou “estrelar”), de maneira irregular até que pareça um glacial refratário ou a coroa antiga de algum embonecado rei” (p. 54). Tal desconstrução não garante uma montagem previsível, mas supostamente de qualidade, mediante tal “Ars poética” de des/construção.
Citam noss poeta e teórico Claudio Daniel que propões, na poética de Virna Teixeira, o resgate de um diálogo interrompido, para seguir depois restabelecendo os fragmentos da conversa, ou seja, “a experiência através do fragmento” (p. 59). Como diria, mais adiante, o poeta Herbert Julian “e oxalá não fosse tão linearmente sintaxe no caso de autores que montam seus poemas valendo-se de recursos virtuais em seus tablets. Que pretendemos aprofundar na próxima entrega, em novo Editorial. Até lá.